«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Carneirada

Ando em rebanho. Não é menosprezar-me, o dizer isto, porque todos andamos. Na verdade, só não o fazem os muito corajosos ou os muito perdidos, em ambos os casos tendencialmente loucos ou descompensados. Não me aflige seguir o rebanho, seguir o som do badalo ou andar em grupo. Aflige-me, isso sim, o ter noção de que em algum momento me fui perdendo ao ir caminhando par a par com certos núcleos do rebanho, sem ter rumo.

Perdi-me. Quer dizer, sei onde estou, estou com outras ovelhas, mais escuras ou mais claras, mais carecas ou mais peludas, mais magras ou mais fartas. Mas estou por aí, vou andando, sem por vezes me lembrar sequer de onde venho, onde estou ou para onde vou.

À deriva... Dir-me-ão, por ventura, que há surpreendentes descobertas na deriva, mas toda a ovelha sabe que tal prática continuada a levará a tresmalhar-se, mais tarde ou mais cedo.

Preciso de saber quem sou, de onde venho e para onde quero ir. Preciso de ser capaz de distinguir o meu bramido dos dos demais.

Quer-me parecer, até, que este rebanho está a colocar-se em risco. Falta uma orientação, um Pastor. Porque tudo vagueia e tudo pasta tanto quanto se pode, mas o campo está já seco e em breve morreremos de fome se mais pastagens não alcançarmos. Precisamos de ser guiados, há que ter humildade e discernimento. O Inverno aproxima-se e há que recolher à guarida do curral.

A ovelha não terá mais fortuna por se tresmalhar no seu egocentrismo, mas não pode, tão pouco, refugiar-se na pseudo segurança de um rebanho perdido, dissolvida que está nessa anulação comunitária.

Isto que tenho dito, vou-o percebendo de tempos a tempos. Mas perco-me sempre desses desígnios na ocupação do pasto de curta dura, destinado que fico a consumir a erva que vejo por entre as patas para não desperdiçar o tempo.

Quero o consolo da mãe, mas cresci já e não poderei contar com a resposta certa aos meus bramidos de auxílio. Tenho de rumar com um sentido, é hora faz já muito tempo.

Por ora repouso sobre a cama de espinhos que se queda debaixo de mim. Mas na agonia deste desconforto confio que a provação não pode existir senão para determinar o espírito para seguir caminho.

Cheiro augúrios de verdura, ao longe. Oxalá não me deixe perder o rasto à meta no entretanto.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Naturalmente ser

Isto de precisar de me perder, de me distanciar do tempo e do espaço, é não mais que um intenso desejo de me aniquilar perante a maravilha do universo, para me poder reencontrar, depois, pacífico, pleno da maravilha da criação e novamente sabedor do milagre da minha existência nela. Isto de correr atrás do mar, da montanha, do nascer e do pôr do sol, das estrelas e da lua, do calor do sol e do fresco da noite, do varrer do vento e do toque da chuva, é apenas o desejo de poder abraçar com os meus sentidos a beleza que há no mundo. Isto de querer sorrir, rir e chorar perante o pôr do sol é o magnetismo destes encantos com que me cruzo, os quais fazem fluir em mim todo o tipo de emoções, que me libertam dos meus tormentos pela harmonia da aceitação da sua maravilhosa simplicidade; é saber-me e sentir-me verdadeiramente vivo e , de novo, em paz; é sentir-me EU, o eu maravilha da minha existência, o eu milagre do ser, o eu em paz e em harmonia com o espaço e o tempo de que teve de tentar escapar para poder amar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

síndrome de estocolmo

estou absolutamente teu refém. reténs-me sem prazo definido nessa tua teia de encantos e vais-me satisfazendo da sede de ti com (sempre) breves lampejos da tua presença. é inebriante a sombra que fazes cair sobre os grilhões que me prendem. como tudo está inebriado de ti, como a minha presença não é mais que uma permência que se arrasta para trás e para a frente sem poder, e sem querer, deixar o raio da tua influência. é que, para já, para logo e para um horizonte de tal modo difuso que me faz questionar as fronteiras do mundo e crer que não existe um fim, que posso circular pela esfera como se tudo não fosse uma superfície plana rodeada de abismos para o caos, estou prisioneiro sem que seja certa a causa, sem que tenha a certeza da pena ou da sua duração. e de cada vez que te afastas, de cada vez que pareces querer sucumbir a um qualquer perverso plano de mascarada piedade, foras tu capaz de tal misericórdia, de cada vez que ao longe te vejo a desparecer de costas como se vê um pôr do sol, eu não consigo deixar de pensar que não é livre que quero estar. e então oiço interminavelmente as músicas que nas sanzalas mais primaveris se entoam. e sei, sei que, roçando o absurdo, quero continuar a sentir o toque caloroso destes grilhões que me acorrentam.

"Name" e "Slide", dos Goo Goo Dolls



terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Quero-te tanto. Sim, a ti!

(in)confidência

I,

in confidência digo que:

há uma linha que vai para lá do meu campo de visão e que temo cruzar. e temo-o porque do outro lado podem estar as mais luxuriantes e admiráveis pradarias, mas porque pode também estar o abismo para o qual me sinto sempre a caminhar. o pior é que, sendo um abismo, nem por isso deixa de exercer sobre mim um fascínio e uma atracção tão tentadora que não sei se as minhas pernas se manterão firmes na beira do precipício.

temo-me mais que a tudo o resto. há sempre um ser indomável que me habita e que tem uma propensão para a bipolaridade que pode degenerar em auto destruição. e esse risco é tão constante, tão grande, que o meu instinto me surge sempre como um pacote suspeito que há que, à cautela, destruir de forma controlada para que não leve tudo pelos ares.

daí o baque mudo que, sem ser visível, interjeciona o temor na primeira linha deste meu acto in confidente.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Champagne Supernova", dos Oasis

Que olhar é esse que timidamente lhe prende a atenção, que toque é esse que lhe custa largar e que lhe eriça o sentimento de adorada insegurança? Que temperamento é esse que o encanta, que riso é esse que na sua inconveniência cai certeiro descontado em encantamento? Que é isso que o intriga, essa incompatibilidade concertante, esse secreto volver ao gustosíssimo pomo que, semeado por Éris, é com a ajuda de Eros colhido e é com o encanto e sedução da espada saboreado?

Que ansioso desconforto da dúvida é este que o assola, que dúvida é esta que o atormenta? É em jeito de fusão, confundido que está, entre esperança, medo, desconfiança, embaraço e entusiasmo, que encara este estado seu. Na confusão do seu ser, procura fundir tudo para que possa concluir, mas resiste-lhe a massa heterogénea de sentimentos.

A pergunta que tanto faz parece-lhe uma resposta em si mesma, pela sua insistência, mas já não confia em si. Mais uma vez espera que a resposta lhe surja berrando para ser atendida. Mal sabe que entretanto pode perder doces suspiros, insuspeitos, na sua discrição.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

I DON'T WANT TO
Be on the wrong side of the fall,
Right as it may seem,
Exciting as it may be,
As if the anxiousness,
Kindly put out in both our lives,
Yours being the gentlest of them both,
Ought to confirm such madness,
Urging so deeply throughout my veins,
Raging its way out,
Hearing of no such thing as sense,
Engaging nothing but the moment,
Aspiring for so little,
Relying on the impetuousness of it all.
The risk is huge, and the cautiousness nearly vain.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

És tu, descalça, que percorres o corredor de mansinho? És tu que te passeias, enquanto neste primeiro quase sono procuro esquecer o relampejar do dia? Serás tu que, nessa mansidão, procuras passar despercebida? É que não sei se te procure para te implorar que me deixes retomar a calma do meu sono, se te sussurre baixinho que te venhas aninhar aqui, longe do mundo, onde a escuridão, minha suprema companheira, me dá o abrigo do silêncio. E enquanto fecho os olhos para me perder na minha indecisa e inerte tábua de salvação, qual colchão forrado de medos que é este meu pouso, sinto-te caminhando de arco e flecha em mãos, qual divindade dos bosques, e não sei se me emboscas, se vens, ao acaso, dar conforto à tua presa. É sempre com receio que abro as janelas ao mundo e vejo que o teu irmão, no seu carro celeste, porta já a luz que vigia os teus passos. Mas é enquanto a presença da lua te encobre que és mais temerária e, neste corredor meu da presença disforme do desconserto, é quando mais confortas esta receosa vítima dos deuses.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pois que é verdade que tenho tido medo dos silêncios, de mim próprio, de me escutar e de me encontrar. pois que é verdade que tenho tido medo de mim, que não é senão um medo do futuro e do que esse desconhecido não tão distante, mas profundamente assustador mistério, que o meu caminho representa. pois que é verdade que há um ditadorzinho que quer estar sempre no controlo de tudo, até de mim próprio, e que esse pequeno terror até pára sempre nos mesmos lugares que o seu siamês prisioneiro. pois que é verdade que a cobardia me leva a procurar refúgio constante dos fantasmas do futuro, e que é nada mais que teatro este ar de auto-domínio e de satisfação. pois que é verdade que não me resigno na resignação, e que sempre há essa luta do crescer com a dor do desprezo pela acomodação que já não distingo se farsada se ancorada.


oh! pois que é verdade que por vezes me distancio tanto de mim próprio que és melhor indagadora da minha irrazoabilidade obcecadamente logilicizante que eu próprio, porque é verdade que estou perdido e que consegues sempre ser mais farol que este ser corrompido pelo cansaço, pelo engano, pelo medo e pela dúvida.


e pois que é verdade que, quando penso sobre isso, até sei o que responder quando algures na confusão de uma mente mal acomodada e mal insatisfeita sempre se segue ao está tudo bem? um silêncio duro e um ... está mesmo? não parece...

"Wonderwall", dos Oasis, e cover, por Ryan Adams








terça-feira, 26 de julho de 2011

O contentamento

Mais uma vez aqui estou. Neste espaço que, como carapaça da qual não posso sair, se tornou já quase a minha casa. Aqui, rodeado dos confortos das secretárias, computadores e telefones, permaneço neste leve e agradável serão. Serão mais uns minutos apenas, vou esprerando. Ou desesperando. Na verdade sei bem que enganar-me assim não resolve. Nas verdade sei bem que tenho sempre medo de resolver as coisas, porque só a ameaça do desconhecido, da incerteza, é suficientemente assustadora para me impedir de encontrar outra solução. Estou feliz, aqui. Aqui onde respirar fica quase esquecido por ter de vir depois do correr do temporizador que dá razão à facturação. Sim, como é bom preocupar-me com o lucro..., de outros, que sejam. Quanto não lucro eu com isto? Tudo o que foi preocupação se torna apenas miragem distante, porque assim estou protegido de tudo o que na vida das pessoas as vai atormentando mais regularmente: o contacto interpessoal. Isso é uma procupação das pessoas: aqui a peça da engrenagem tem coisas bem mais importantes com que se preocupar e vai lendo, vai escrevendo, dizendo o que de melhor há, que é opinar e defender por dinheiro e não por razão.

"Holocene", dos Bon Iver

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Desengana-te, ó punhado de pó feito gente

Ele, que se quer ser livre em tudo. Ele, que ambiciona ser senhor de si mesmo e do seu destino. Ele, que quer esquecer-se do mundo e fechar-se na sua teia galáctica para poder escancarar a janela da sua visão. Ele, que brada aos céus que existe, que está aqui, e que é em plenitude naquilo que há de mais genuíno, que é ser Ele próprio. Ele... é uma fraude, porque trabalha ingloriamente até às quinhentas que nem um escravo, abdicando de quase tudo (das suas identidade e dignidade, até) por um punhado de nada, escutando Tachaikovsky, Dvorak, Grieg, Mahler e Chopin até mais não para se iludir na sua vã existência, comendo bolachas de água e sal para enganar a barriga e não desfalecer de cansaço.

Constação do óbvio

O mundo é injusto e as pessoas são ingratas.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Da busca feita vã pesquisazinha

Por vezes uma visão, um cheiro ou um som basta, e o tempo pára: e que bom que é perceber que ainda Sou!
Na corrida citadina há sempre tanto que fazer que o tempo não se dá à vida, escapando-se por entre vãs tarefas (oh!, se vãs não são!). E eu, este eu pequenino, perdido e escondido em alguma página recôndida da googlada desta hora? E eu, este e ... u fugidio que perde a consciência de si próprio e do mundo, este mundo pequenino perdido em caracteres que se lêm nas entrinspirações? Onde? Quando? quem?...
Quem quer saber de si, e de si no mundo, tem de se largar dos afazeres do mundo e perder-se das coisas mundanas, para Se Perder no Mundo. E, se as engranagens do relógio continuam a girar e o tempo não pára, talvez valha a pena quebrá-lo e perder(-me) para (me) poder encontrar.

Dor

C’est d’or mes chères, c’est DOR!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quando o sufoco é tal que até respirar dói, quando tudo lhe é de tal forma indiferente que entra em modo automático, quando tudo se parece com as grades de um cárcere, quando o grito do Ipiranga fica preso no peito e um leve gemido pleita por dar pelo nome de berro, quando a auto comiseração é apenas mais um operário que grita e é morto a sangue frio frente ao palácio imperial de Inverno da treva da minh'ausência'de'mim'para'mim'mesmo'e'do'comgo'próprio'pr'ó'mundo'cão'q'um'laivo'de'louca'genialidade'fez'questão'de'criar, então espera por uma Luz, ou luz que seja. E não tarda, não tarda a reentrar na cegueira e a redecair no buraco de onde só tão arduamente conseguiu escalar, grão a grão, a parede disforme da merda que o circunda para procurar um Luz, ou luz, que não há. E com as mãos escorregadias, gelatinosas e martirizadas dos dejectos de um mundo que parece concentrar a sua fonte fecal por cima da sua cabeça, procura olhar o caminho que o espera para uma nova tentativa, mas não vê no escuro, não vê, não consegue! Desiste, acomoda-se, e como não é de clichés de esperança que o corpo se alimenta, toma um pouco da merda de que é o centro e come. Quando cheio por dentro do que o rodeia tenta descansar, adormece de si mais um pouco, sem esperança, ainda, e quase que deseja que o cheiro nauseabundo do mundo lhe consuma os pulmões, porque a alma, essa já lhe surge como um reflexo da única luz que o cerca: a luz negra e cegante do poço da desesperança.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Queda presa

Quedo-me na queda do dia para um dia. Quedo-me na queda de mim para o Manuel Bruschy Martins. Quedo-me na queda da fé para a esperança, e da esperança para a acomodação e da acomodação para... bem, sabem, para a perda de mim. Porque este dia é só mais um dia; porque Eu sou apenas uma pessoa que trabalha e convive, cuja essência não se revela, cujos momentos não são de vivência, mas de sobrevivência (palavra mais absurda: não será a sobrevivência uma autêntica sobvivência?); porque não tenho tempo e vontade de crer com todas as forças do meu ser, porque me acomodo, porque sentado deste trono terreno que é a cadeira à secretária a perspectiva do Mundo é um ecrã povoado de pixeis onde muito há para ver, mas pouco que me permita aí estando, estar sendo.
Visito o meu blog na esperança de me revisitar, mas é já tarde, não na hora, mas na rotina, e estou perdido de mim. O Mundo é, aqui e agora, não o lugar onde sou, mas um lugar onde estou.
Oh!, que eu ainda exista, é tão certo quanto hoje não ser ontem, mas que eu não saiba de mim, porque o labirinto que na vida vou criando é tão grande que me distancia enormemente daquilo que coloquei por trás de barreiras verdes como sebes, mas inertes e avassaladoras para o caminho, é apenas resultado de ontem não ser hoje, e de amanhã não ser mais que uma vaga promessa de replay.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Talvez um dia...

Talvez um dia eu passe a gostar mais do meu trabalho. Talvez um dia eu bata com a porta. Talvez um dia eu pegue numa mochila e parta sabe Deus para onde, para me descobrir. Talvez um dia eu deixe de ser (mais uma) engrenagem das máquinas do capitalismo e me dedique a causas em que acredite. Talvez um dia eu te vá procurar e deixe de esperar que me caias do céu. Talvez um dia a chuva caia e a minha preocupação não seja o trânsito. Talvez um dia eu deixe de ser um desarrumado mental. Talvez um dia eu saiba o que quero. Talvez um dia eu faça o que quero. Talvez um dia arrisque e aja despreocupadamente com a X, a Y, a Z e demais pessoas necessárias revelando interesse (talvez assim te encontre). Talvez um dia diga à minha mãe o quanto gosto dela. Talvez um dia diga ao meu pai o quanto o respeito. Talvez um dia diga aos meus irmãos tudo o que me ajudaria ter ouvido. Talvez um dia eu diga a certas pessoas para irem à fava. Talvez um dia eu faça longos pedidos de desculpas. Talvez um dia eu me esqueça do que é um computador. Talvez um dia eu leia apenas literatura. Talvez um dia eu escreva a sério, em vez de andar a brincar aos posts. Talvez um dia deixe de ser velho em corpo novo e seja novo em corpo velho. Talvez um dia me possa sentir a voar nos meus sapatapos e não me arraste. E talvez, só TALVEZ, um dia eu ganhe coragem.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Heart Skipped a Beat", dos The Xx

da busca de ti I

E tentar encontrar-me, sabendo-me ainda desesperado por te encontrar e por te ter. Farejo-me o rasto, mas perco-me, distraído pelo odor intenso e ainda tão confuso de ti. Dou por mim seguindo as brisas, na esperança de que alguma me leve até ti e, sem rumo certo, sabendo apenas que te tento alcançar sem saber do teu paradeiro, sem saber quem és, sem me surgires como o cheiro nítido de uma rosa ou de uma camélia, mas antes como uma mistura indistinta, embora indiscreta na sua incognitude, sem saber, sem ver, sem ouvir, sem cheirar, eu sei-me já entrado na escuridão da noite perscrutando o céu estrelado à procura de alguma orientação até ti. E é neste estado que espero que a noite me traga de volta o sono que levaste contigo para essa terra de nenhures onde o mundo te camufla e te esconde de mim.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

.......................................dias que passam e nada muda.
................vezes e vezes sem conta a mesma desilusão.
.de orgulho, sempre pouco.
......................de compreensão, quase nada.
.......................................perco-me da essência deste quase nada.
..............escassa esperança que me custa alimentar.
................................ela não morre, porém.
......morresse antes, e tudo seria apenas o mórbido silêncio do arrependimento.
A noite. Longa. Silenciosa. No gemido de uma acutilante calma jaz o grito do ipiranga de um ser que se vê no espelho como um belo adormecido. Ele é calmo, é cortês, é bem parecido. É inteligente, sorri com todo o encanto da simpatia e é, profissionalmente, bem conseguido. Tem-se a si como um promissor investimento, mas é ainda inóquo. Juram-lhe que tudo renderá, que a espera renderá. Mas na pressa de um retorno, na insatisfação da vigia, os juros não rendem, Ainda.
(é com pontos - finais ou interlocutórios - que dá de si, a si, essa pausa.)
Cada ponto é ainda uma espera. E com cada ponto ele espera pôr toda a impaciência em espera. Mais: ele espera vencer-se, não de cansaço, mas de paz. É o que lhe apraz e pronto. .r.... Que se engane, ainda. .r.... Que se iluda, já. .r.... Pudera ele esvair-se na noite como um som que ninguém escuta nos seus sonos e nenhuma inepta insónia traria de volta ao mundo o ser que seria tão-somente o ruído sem sombra nem bagagem de uma noite fresca. E esse ruído seria, na humilde pequenez do desconhecimento do mundo, um fim em si mesmo. E os outros sons, os que ecoam nalgum campo de squash craniano que ele quis esquecer de revisitar, sem sucesso, seriam apenas o pó que uns sacodem da capota e que outros comem porque nada mais lhes pára na boca. É do sonho, o que ameaça chegar mas que .r...., sempre pode virar pesadelo, que ele tem medo. Não que o afaste das terras-do-nunca (do nunca mais é real, diria), porque ele é no sonho. É no sonho que ele se encontra e que ele se constrói.
Ele é um sonhador, e sonha tão completamente que até sonha que é dor, a dor que deveras sente.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Tu?

Estou preso a uma ideia, a um fantasma que não se corporiza. Quero soltar-me deste desejo que me consome por não cumprido, que se força à realização e que se quebra num caco. Que, em desespero, me quebra. Em desespero espero, ainda como sempre, esperando não mais esperar. E na espera, há um vulto, vestido de ti, que me acena do longínquo amanhã, incerto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

(h)ora(s) (que) são

horas que nascem, horas que morrem, horas que passam. hora das coisas que cansam, ora das coisas que doem, hora das coisas que matam.
ora aqui, ora ali, ora acoli, ora acolá. ora, nesta hora ele ora, ora agora, ora já.
ora ainda, ainda é hora. hora após hora, ora, ele ora.
ora a toda hora, ora chora, ora ora para não chorar mais agora. ora são, ora triste, e neste momento resiste à hora de agora e por ora ele ora, sem demora.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Trabalha. Faz. Dá de si. Dá por um preço. Dá gratuitamente. Espera receber e quase morre da espera. Exausta-se-lhe o dia e descansar é tudo quanto quer. Mas descansar é tudo quanto não consegue, porque não há paz. Perdeu-se. Perdeu-se e não sabe mais de si quando a porta se fecha atrás de si e se dá conta que mais um dia se foi, com ele uma semana, com esta um mês e com este último um ano. Dá-se conta de que há um vazio durante o dia proporcional à cidade cheia de gente e de que quando a noite chega o vazio equivale à solidão com a qual se depara no confronto com a consciência. Tem medo do espelho: o espelho é o quebrar da ilusão que é estar frente às gentes com as quais se cruza lançando sorrisos, qual protagonista, realizador e argumentista da própria vida. Tem vergonha do escuro, porque no escuro as vozes que lhe gritam por de dentro da pele ganham a força de bestas. E pede. Pede perdão. Pede esperança. Pede que o ajudem a trepar e a tapar o buraco em que se encontra. Pede, por fim, que o sono vença a batalha do desassossego.
E no dia seguinte, mal disfarçando as olheiras, reencena, reinterpreta e reescreve.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

E, bem assim, ...

Pergunto-me se estou bem assim. Assim, assim. Procuro-te enquanto te espero, assim. Espero procurar-te e procuro esperar-te. E enquanto assim espero, enquanto nada és, és tudo. Porque de tudo és ainda nada. E de quanto preciso, isso o tens. De quanto o tens, disso preciso. Do que és, isso o busco e do que buscas, isso o sou. E é por isso que, assim, a distância do tempo de hoje para o tempo de ti é tudo quanto virás a ser quando a distância do tempo de ti para o tempo de hoje nada for.

Assim, assim

Nem sim, nem não. Assim, assim. Assim a resposta certa à pergunta «Tudo bem?». Assim mo questionam; e a resposta que lhes não importa, não sendo esta, pouco os incomoda. De pouco serve ser essa ou outra, porque em verdade, em verdade vos digo, é só mais uma frase da praxe, como a resposta lançada é só mais um dos automatismos assimilados. Que mais responder? É assim. Que mais perguntar? Melhor será assim. Que mais ouvir em resposta, senão assim, assim como quem meio ouve, já ouvido que estava o que esperava ouvir e mais que não fosse ouvido por mais se não querer gastar com mera convenção vã. E que mais querer, quando é assim, quando o fácil se assimila e se dá a mostrar ao mundo em todo o seu esplendor de ovo dourado e sem vida? Porquê querer alcançar mais, esperar mais de mim, do mundo? Porque sou assim. Assim, assim de diabrete, de anjinho, de salvador e de salvo, de alegre e de melancólico, de esforçado e de calão. Assim? Sim, assim, assim.