«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Trabalha. Faz. Dá de si. Dá por um preço. Dá gratuitamente. Espera receber e quase morre da espera. Exausta-se-lhe o dia e descansar é tudo quanto quer. Mas descansar é tudo quanto não consegue, porque não há paz. Perdeu-se. Perdeu-se e não sabe mais de si quando a porta se fecha atrás de si e se dá conta que mais um dia se foi, com ele uma semana, com esta um mês e com este último um ano. Dá-se conta de que há um vazio durante o dia proporcional à cidade cheia de gente e de que quando a noite chega o vazio equivale à solidão com a qual se depara no confronto com a consciência. Tem medo do espelho: o espelho é o quebrar da ilusão que é estar frente às gentes com as quais se cruza lançando sorrisos, qual protagonista, realizador e argumentista da própria vida. Tem vergonha do escuro, porque no escuro as vozes que lhe gritam por de dentro da pele ganham a força de bestas. E pede. Pede perdão. Pede esperança. Pede que o ajudem a trepar e a tapar o buraco em que se encontra. Pede, por fim, que o sono vença a batalha do desassossego.
E no dia seguinte, mal disfarçando as olheiras, reencena, reinterpreta e reescreve.

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