«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Gaivota que não pescou, mas mordeu o isco

A desgraça da noite: longa demais no estar abandonado a assaltos sombrios, curta demais para descansar. Deixa-me na companhia de fantasmas. Não são fantasmas que atormentem este mundo, mas o meu mundo, só, quais private poltergeists. Enquanto me vão buhando pelas costas provocam-me sobressaltos que me impedem de dormir decentemente.
Depois deparo-me com o primeiro fantasma da vida diária de todos nós. Assume formas diferentes, em momentos diferenciados, mas hoje chamei-lhe "8 da manhã, hora de te levantares e te pores a andar daqui para fora (vai!, vai e sai por essa porta ao encontro do abandono dos dias, feitos dia 28 de Novembro, dia de seres o mesmo de sempre, mais um ao encontro do teu dominus, o ser para sabe-se-lá-o-quê enquanto te perdes pelas fugas de fumo nas chaminés das fábricas de sonhos mecânicos, sempre defeituosos, quebrados), despacha-te, não comas, tens análises ao sangue para fazer (não chegasse a fome da alma vêm agora impôr-me a fome do corpo), rápido, hoje é dia de Mercado, sabes que encontrar lugar para o carro vai ser um inferno, ah!, e tens muito que estudar antes de te enfiares no comboio para apresentares o trabalho de Direito da União Europeia sobre o princípio do primado do direito comunitário (pergunto-me se esta jurisprudência não será tão absurda como a do Tribunal da Santa Fortuna), talvez consigas arranjar tempo depois para almoçar convenientemente". Tem um nome grande este fantasma, não tem? Agora imaginem enfrentá-lo. Não conseguem. Claro! Têm os vossos fantasmas para enfrentar, que também não quereria encarar. Este fantasma é meu na medida em que se me manifesta, ainda que seja omnipresente. E superamo-lo, com as coisas mais simples.
Passou uma gaivota pelo banco de praia em que estava e levou parte do peso deste fantasma para longe de mim. Comem lixo, esses bichos. Que me levem este lixo, então, para alto-mar, ou para o raio-que-o-parta, que ele não pertence aqui. Eu não como lixo, sou pessoa. E sou mais que esses fantasmas vagantes.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

lua cheia

No outro dia virei uma esquina e dei de caras com a lua. cheia. luminosa. magnificente. próxima da terra, como se ameaçasse chocar contra o planeta e destruir a vida como a conhecemos. Era Domingo. Fez-me pensar na hóstia, que já não tomo há muito tempo. Demasiado tempo.
Quis dar de caras com o corpo de Cristo. Cheio (de vida). Luminoso. Magnificente. Entre nós, destruindo a vida como a conhecemos para nos afastar da morte do caminhar sem quê, para nos mostrar a verdadeira Vida.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

"Ningém ouve, ninguém vê. Porquê?"

Da minha amiga Marta Hipólito. Uma verdadeira cineasta em formação. Um vídeo curto, com uma forte mensagem. Vale a pena ver. Valerá também a pena votar nele, já que está a concurso no Festival de Microfilmes (http://microfilmes.sapo.pt/).

Parabéns pelo vídeo Mão, como pelos outros dois!

"Boa Sorte (Good Luck)", de Vanessa da Mata e Ben Harper

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

"v" de cansaço

O medo de falhar. Sempre presente. Tudo uma mariquice: é ao que se resume. Não sou um falhado, um derrotado: sou dos que vencem! Ou aspiro a...
A vitória, in(a)spiro-a. Obrigam-me a tal. Há um quadrado sem ventilação a que chamam Mundo. Por lá há pessoas, pessoas, mais pessoas. O ar não se compõe de N2, O2 ou CO2, mas de Miséria, Sucesso e Apatia. Todos correm ao mesmo, sob pena de asfixia. Nos entretantos sucede sabe-Deus-o-quê, sucedendo sabe-Deus-quem, sucedendo-se sabemos-todos-que-o-mesmo.
Inspiro. Dilatam-se-me as narinas, depois os brônquios, ao passar deste bálsamo. E «sinto-me bem». Boa educação. Saber dizer as frases-chave: «sinto-me bem». Não me sinto. Só o bálsamo.

medo: não me falhas

«E se eu falhar?», penso. A psicologia diz-me que este pensamento causa sofrimento por antecipação e em nada me ajuda na realização dos meus projectos. É, porém, uma questão legítima. A linha entre o realismo e o derrotismo é muito ténue.
Sinto-me sob uma enorme pressão. Não se trata do peso do ar, saturado de toxinas; não se trata do peso das pessoas que se empurram contra mim, imundas, nos transportes; não se trata do peso dos livros que me acompanham nos meus passeios diários, entre bibliotecas, aulas e salas de estudo; não se trata do peso do meu irmão de 11 anos, que já deixou de ser criança de colo, ou do de 16, que é maior que eu; não se trata do peso da mochila e de todo o material que levo para as actividades escutistas; não se trata do peso dos desabafos entre amigos; não se trata do peso da Bíblia, a que recorro, pelo menos, aos Domingos. São apenas lascas na minha cruz, que é encimada pela inscrição : «Faz o teu hoje, faz-te no teu hoje». O peso da escolha, esse, é constante.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Marta Hipólito - Parabéns!

Sentimo-nos como estrelas, minha Marta. Hoje, se não te sentes estrela, brilhas. Ainda e sempre.
Pus-te na minha constelação de amigos, um dia. Tomaste o teu lugar num espaço uniformemente indefinido e inconstante, a cujas mutações assisto. Não tens órbita; não giras senão sobre ti própria. Mantenho aquele ponto fixo que tanto reluz, qual estrela-guia. É a Mão do ontem. À sua volta surgem novas Mãos. São-me dadas pelo tempo, são Mãos-dadas ao tempo de hoje. E são fascinantes. Não mudam. Acrescentam-se umas às outras. Formam complexos fascinantes, a cada nova aparição. Formam uma sub-constelação que a cada nova adição mais tem para oferecer. Não se torna mais bonita ou menos bonita: torna-se mais rica e, por isso, melhor. Dia 4 somou-se-lhe um dia, que completou 20 anos de existência. Hoje, quando me disseres «Olá!» tudo estará diferente. Mas continuará um «Olá!» cheio de amizade, que me dará uma imensa alegria.
Sorrir-me-ás. Esse sorriso, como todos os que me deste, não integrará a constelação. Será meu. Não guardo os teus sorrisos como memórias do ser, do sermos. Tenho-os, presentes em mim, de cada vez que sou. Agradeço-te por cada sorriso. De cada vez que chorares, lembra-te, será talvez porque deste demasiados sorrisos e os precisas de renovar. O «Obrigado por tudo!» estará pronto para quando voltares a iluminar o teu rosto com essa essência do ser-dando.
(«Todos se riem, banalmente. Sorrir é algo bem mais íntimo, mais genuíno.»).
Quando me abrires a porta, hoje, há só uma coisa que espero: o teu sorriso. Não há nada que o substitua. No momento em que sorris dás-te, como em nenhum outro. Porque aí transcendes-te e fazes com que o Mundo possa ver A Mão.

Encontro do Cenáculo Nacional de 2, 3 e 4 de Novembro de 2007

Dias 2, 3 e 4 de Novembro reuniram-se, em Areosa, Viana do Castelo, Caminheiros/Companheiros representantes de várias regiões/núcleos do país (eu representando o Núcleo da Barra).

O Cenáculo Nacional é um marco do Caminheirismo (http://www.cenaculo.cne-escutismo.pt/documentacao/index.html). Orgulho-me de ser escuteiro do CNE e de fazer parte deste sonho. O tema deste ciclo, AMA, esteve presente em todo o encontro: na diversão da boa companhia, no esforço do trabalho conjunto, no sabor especial da oração comunitária.

O tema deste encontro foi: Acreditar. E todos nós acreditámos, mais que antes, nas nossas capacidades, para fazer mais pelo Caminheirismo, para sermos melhores, para tornarmos o mundo um lugar mais aprazível. O vídeo, que faz parte do nosso imaginário, tenta mostrar-nos que só é preciso sonhar e acreditar no sonho, para fazer e ser. Também TU, LEITOR, podes ir mais longe. Atreve-te!

(vídeo - "Eu irei mais longe", do filme da Disney Hércules - em: http://www.youtube.com/watch?v=9wT0upBomi8)


Deram-nos este mimo:

«Obrigado Senhor,
Por nos teres trazido até aqui.
Pedimos a Tua protecção e a Tua ajuda para os próximos dias,
Para que estes sejam de uma verdadeira alegria e de um trabalho produtivo.
Ajuda a IV secção, para que esta nunca deixe de criar Homens Novos
Ajuda cada um de nós aqui presente, para que saiba sempre seguir o melhor caminho.
Ajuda-nos a acreditar cada vez mais em nós e nas nossas capacidades.»

Obrigado. Por tudo.

(Adenda: "De zero a herói", do filme da Disney Hércules

).

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Desespero

Adivinho-me nessa tua chegada triunfal.
Chegas e acenas-me, com a ponta dos dedos.
Chegas-te e passas a mão, ao de leve, nas minha costas.
Chegaste: já senti o arrepio da tua passagem.

Sentas-te comigo e fazes-me empalidecer,
Frente a todos: «Que vergonha!», penso.
Este caso é só nosso, «Nosso», segredas-me,
Em jeito de chamamento ardente, na frieza desses lábios.

Beijas-me. Tomas-me. Devoras-me.
Despes-me do tic-taquear do relógio
E levas-me para longe do tempo presente,
Para longe desta cidade, tu: selvagem!

Sentes-me inebriado de ti e regalas-te,
Enquanto neste ardor apaixonado me deixo ir,
Me deixo vir e, depois da lágrima, do grito abafado,
Expludo de mim nessa morte que é o Desespero momentâneo.

Pegas nas tuas coisas e vais-te.
Deixas a porta aberta, a Tristeza segue-se.
A Esperança alcança-me, também, mais tarde.
Mas, na escrita, continuas a amante-musa, tu: Desespero.