«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Desespero

Adivinho-me nessa tua chegada triunfal.
Chegas e acenas-me, com a ponta dos dedos.
Chegas-te e passas a mão, ao de leve, nas minha costas.
Chegaste: já senti o arrepio da tua passagem.

Sentas-te comigo e fazes-me empalidecer,
Frente a todos: «Que vergonha!», penso.
Este caso é só nosso, «Nosso», segredas-me,
Em jeito de chamamento ardente, na frieza desses lábios.

Beijas-me. Tomas-me. Devoras-me.
Despes-me do tic-taquear do relógio
E levas-me para longe do tempo presente,
Para longe desta cidade, tu: selvagem!

Sentes-me inebriado de ti e regalas-te,
Enquanto neste ardor apaixonado me deixo ir,
Me deixo vir e, depois da lágrima, do grito abafado,
Expludo de mim nessa morte que é o Desespero momentâneo.

Pegas nas tuas coisas e vais-te.
Deixas a porta aberta, a Tristeza segue-se.
A Esperança alcança-me, também, mais tarde.
Mas, na escrita, continuas a amante-musa, tu: Desespero.

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