«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Nevoeiro em Lisboa

O vento frio acaricia-me o pescoço mal escondido, enquanto olho o rio e as gaivotas. A cara, essa nunca a consigo esconder e dissolve-se no ar envolvente, húmido, como os olhos. A água está escura, mas não tão negra como os espíritos que esvoaçam sem rumo, ora porque nada se lhes afigura como objectivo, ora porque os seus objectivos se lhes revelam pretensões repetidamente irrealizadas. A ponte continua o seu rugido constante, mas não se atreve a dar a cara, escondida pelo nevoeiro. O "Voyeger of the Seas" traz mais gente à cidade. Mas esses ir-se-ão, com o navio, partindo para longe destes assassínios quotidianos, ao encontro de outros.

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