«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Sobre rodas

«Tudo sobre rodas!», digo para mim. Deixo o quarto desarrumado e, a correr, visto-me. Paro na cozinha para enfiar qualquer coisa pela goela abaixo. Corro para o carro.
«Tudo sobre rodas!». Carrego no acelerador e vou rezando pelo caminho os típicos «Acelera!», «Sai-me da frente!», «Vira nesta, por favor!», «RRRR!!». Que gente, que não sabe andar sobre rodas, age como se tivesse cubos no carro!
Paro as rodas do carro. Demoro a pará-las. Os passeios e lugares de estacionamento estão cheios, parece que está toda a gente «sobre rodas».
Corro para apanhar o comboio. Oiço o apito, as portas a fecharem-se enquanto entro, mas consegui! De novo, «Tudo sobre rodas!». Tento respirar. As rodas chiam nos carris. Pego num livro. Leio. Travagem. Recomeço. Arranque.
Chegada. Corro pelas escadas. Outro lance. Outro. Maravilha! Cheguei às profundezas. Oiço o apito do comboio. Fico na plataforma, desta vez. Cheira a Metropolitano, quando entro de mãos dadas com a multidão. Corro para mudar de comboio. Outra vez. Estou «sempre sobre rodas!».
Subo de novo à luz do dia. Corro.
Entro na sala e peço desculpa ao professor pelo atraso. «Tudo sobre rodas!». Tento beber um café no bar, mas «já não dá tempo, Manel!» e queimo a língua.
Na aula falamos da "marcha do processo" e a última coisa que me apetece é marchar dali para fora. Até a matéria vai «sobre rodas!».

Hoje esteve «tudo sobre rodas!». Chego a casa e paro o carro.

Sem comentários: