«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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terça-feira, 26 de julho de 2011

O contentamento

Mais uma vez aqui estou. Neste espaço que, como carapaça da qual não posso sair, se tornou já quase a minha casa. Aqui, rodeado dos confortos das secretárias, computadores e telefones, permaneço neste leve e agradável serão. Serão mais uns minutos apenas, vou esprerando. Ou desesperando. Na verdade sei bem que enganar-me assim não resolve. Nas verdade sei bem que tenho sempre medo de resolver as coisas, porque só a ameaça do desconhecido, da incerteza, é suficientemente assustadora para me impedir de encontrar outra solução. Estou feliz, aqui. Aqui onde respirar fica quase esquecido por ter de vir depois do correr do temporizador que dá razão à facturação. Sim, como é bom preocupar-me com o lucro..., de outros, que sejam. Quanto não lucro eu com isto? Tudo o que foi preocupação se torna apenas miragem distante, porque assim estou protegido de tudo o que na vida das pessoas as vai atormentando mais regularmente: o contacto interpessoal. Isso é uma procupação das pessoas: aqui a peça da engrenagem tem coisas bem mais importantes com que se preocupar e vai lendo, vai escrevendo, dizendo o que de melhor há, que é opinar e defender por dinheiro e não por razão.

"Holocene", dos Bon Iver

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Desengana-te, ó punhado de pó feito gente

Ele, que se quer ser livre em tudo. Ele, que ambiciona ser senhor de si mesmo e do seu destino. Ele, que quer esquecer-se do mundo e fechar-se na sua teia galáctica para poder escancarar a janela da sua visão. Ele, que brada aos céus que existe, que está aqui, e que é em plenitude naquilo que há de mais genuíno, que é ser Ele próprio. Ele... é uma fraude, porque trabalha ingloriamente até às quinhentas que nem um escravo, abdicando de quase tudo (das suas identidade e dignidade, até) por um punhado de nada, escutando Tachaikovsky, Dvorak, Grieg, Mahler e Chopin até mais não para se iludir na sua vã existência, comendo bolachas de água e sal para enganar a barriga e não desfalecer de cansaço.

Constação do óbvio

O mundo é injusto e as pessoas são ingratas.