«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

E, bem assim, ...

Pergunto-me se estou bem assim. Assim, assim. Procuro-te enquanto te espero, assim. Espero procurar-te e procuro esperar-te. E enquanto assim espero, enquanto nada és, és tudo. Porque de tudo és ainda nada. E de quanto preciso, isso o tens. De quanto o tens, disso preciso. Do que és, isso o busco e do que buscas, isso o sou. E é por isso que, assim, a distância do tempo de hoje para o tempo de ti é tudo quanto virás a ser quando a distância do tempo de ti para o tempo de hoje nada for.

Assim, assim

Nem sim, nem não. Assim, assim. Assim a resposta certa à pergunta «Tudo bem?». Assim mo questionam; e a resposta que lhes não importa, não sendo esta, pouco os incomoda. De pouco serve ser essa ou outra, porque em verdade, em verdade vos digo, é só mais uma frase da praxe, como a resposta lançada é só mais um dos automatismos assimilados. Que mais responder? É assim. Que mais perguntar? Melhor será assim. Que mais ouvir em resposta, senão assim, assim como quem meio ouve, já ouvido que estava o que esperava ouvir e mais que não fosse ouvido por mais se não querer gastar com mera convenção vã. E que mais querer, quando é assim, quando o fácil se assimila e se dá a mostrar ao mundo em todo o seu esplendor de ovo dourado e sem vida? Porquê querer alcançar mais, esperar mais de mim, do mundo? Porque sou assim. Assim, assim de diabrete, de anjinho, de salvador e de salvo, de alegre e de melancólico, de esforçado e de calão. Assim? Sim, assim, assim.