«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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domingo, 30 de agosto de 2009

Demarco a minha sensibilidade para a escrita nestas curtas linhas dactilografadas e marginadas, como quem demarca as suas alegrias e tristezas com os contornos do corpo, retendo em si o que seu é. Guardo-me o que recebi; o que criei; o que amei e abominei; o que é meu, o que sou eu, EU, neste espaço inviolável que é o meu espírito; e esse guardo no meu corpo e retenho-me para que me me não fuja, soltando apenas os sorrisos e lamentos que ao mundo cabe ver, quisera ainda que se me não transpirassem pelos poros algumas lágrimas, alguns risos e alguns gritos que me envolvem numa mal-cheirosa aura de "mim para mim", revelado ao mundo num "ele para nós" que não é eu nem EU. Pois EU que me quero eu para ti e para todos os demais assim me declaro confirmada a sentença divina de aprisionamento a esta carne, pele e ossos... Assim declaro a minha firme vontade de me guardar comigo e para mim , de todos menos do Altíssimo. Assim declaro que com o corpo hão-de viver, mas não morrer, as duas letras por que principiam És e Único. Assim constato que serão estas as barreiras, de dentro para fora e de fora para dentro, pelos tempos dos tempos; assim até que o fim destes meus tempos leve ao repouso deste meu corpo pelos irremediáveis tempos em que a terra o consumirá; assim até que EU não seja mais que um som que corre com o vento por cima de um eu esquecido.