«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Passos

Andando nos meus pés gastos,
Oiço o barulho dos meus passos.
Não há beijos, nem abraços,
Nem gritos, nem estardalhaços,
Nem choros, nem embaraços,
Nem pós reluzentes, nem ouros baços,
Nem tempos, nem espaços,
Só há:
Passos
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Para onde caminham os meus pés,
Correndo de lés a lés,
Meu mar, suas marés,
Meu vento, soprando "Quem és?",
Minhas ideias e suas rés,
Minha terra, que contamina com chaminés
Meu céu, que Deus fez,
Um passo para cada um dos porquês,
E depois todos de uma vez,
Fundidos numa estranha grés?

Oleiro de mim, em poesia,
Amasso a grés, molhada e fria,
Aperto, espremendo a agonia,
Perco as formas da alegria,
E deixo a mente vazia.
Não há espanto ou euforia,
Não há virtude ou atonia,
Há movimento em sintonia,
E a cada passo:
Leve sinfonia.