«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Suspenso

As pressas de uma espera nunca efectuada,
Desilusão na opacidade de tempos passados,
Tempos idos em viagens ao futuro que nunca mais chega.
Oh! Nunca mais chega!

Reboliços de calmaria num passado não distante,
Num presente intocado,
Num futuro abissalmente perto,
Tão perto que desaparece.

Nunca chega, nunca chega esse futuro...
Quando chega tentam os pés prender-se ao passado,
Mas é impossível!
(Sim, quando se levanta o pé para dar o passo
Ele tem de pousar, não pode ficar suspenso no nada).

O passado já não o quer,
O presente não o aceita: ele pertence ao nada.
O futuro, esse, exerce sobre ele uma força irresistível, gravitacional.
Porém, um voador inseguro teme sempre uma má aterragem
(Especialmente quando contava com uma pista maior).

Não há forças que sustentem o pé suspenso indefinidamente:
Quando ele está no ar voltar atrás pode provocar o desequilíbrio.
Só resta seguir. Quer seguir?
Se não quisesse não teria iniciado o passo.
A terra firme do presente é uma ilusão
E a gravidade uma mentira:
Apesar do medo há sempre uma força que o impele a avançar
(Quem diria que pode ser mais assustadora a clareza da terra
[firme
Que o desconhecido do passo em frente,
Mesmo sem saber dos precipícios?).

Não há opção. (Lamenta-se).

(Eu posso voar...)

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