«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quando o sufoco é tal que até respirar dói, quando tudo lhe é de tal forma indiferente que entra em modo automático, quando tudo se parece com as grades de um cárcere, quando o grito do Ipiranga fica preso no peito e um leve gemido pleita por dar pelo nome de berro, quando a auto comiseração é apenas mais um operário que grita e é morto a sangue frio frente ao palácio imperial de Inverno da treva da minh'ausência'de'mim'para'mim'mesmo'e'do'comgo'próprio'pr'ó'mundo'cão'q'um'laivo'de'louca'genialidade'fez'questão'de'criar, então espera por uma Luz, ou luz que seja. E não tarda, não tarda a reentrar na cegueira e a redecair no buraco de onde só tão arduamente conseguiu escalar, grão a grão, a parede disforme da merda que o circunda para procurar um Luz, ou luz, que não há. E com as mãos escorregadias, gelatinosas e martirizadas dos dejectos de um mundo que parece concentrar a sua fonte fecal por cima da sua cabeça, procura olhar o caminho que o espera para uma nova tentativa, mas não vê no escuro, não vê, não consegue! Desiste, acomoda-se, e como não é de clichés de esperança que o corpo se alimenta, toma um pouco da merda de que é o centro e come. Quando cheio por dentro do que o rodeia tenta descansar, adormece de si mais um pouco, sem esperança, ainda, e quase que deseja que o cheiro nauseabundo do mundo lhe consuma os pulmões, porque a alma, essa já lhe surge como um reflexo da única luz que o cerca: a luz negra e cegante do poço da desesperança.