«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

síndrome de estocolmo

estou absolutamente teu refém. reténs-me sem prazo definido nessa tua teia de encantos e vais-me satisfazendo da sede de ti com (sempre) breves lampejos da tua presença. é inebriante a sombra que fazes cair sobre os grilhões que me prendem. como tudo está inebriado de ti, como a minha presença não é mais que uma permência que se arrasta para trás e para a frente sem poder, e sem querer, deixar o raio da tua influência. é que, para já, para logo e para um horizonte de tal modo difuso que me faz questionar as fronteiras do mundo e crer que não existe um fim, que posso circular pela esfera como se tudo não fosse uma superfície plana rodeada de abismos para o caos, estou prisioneiro sem que seja certa a causa, sem que tenha a certeza da pena ou da sua duração. e de cada vez que te afastas, de cada vez que pareces querer sucumbir a um qualquer perverso plano de mascarada piedade, foras tu capaz de tal misericórdia, de cada vez que ao longe te vejo a desparecer de costas como se vê um pôr do sol, eu não consigo deixar de pensar que não é livre que quero estar. e então oiço interminavelmente as músicas que nas sanzalas mais primaveris se entoam. e sei, sei que, roçando o absurdo, quero continuar a sentir o toque caloroso destes grilhões que me acorrentam.

"Name" e "Slide", dos Goo Goo Dolls



terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Quero-te tanto. Sim, a ti!

(in)confidência

I,

in confidência digo que:

há uma linha que vai para lá do meu campo de visão e que temo cruzar. e temo-o porque do outro lado podem estar as mais luxuriantes e admiráveis pradarias, mas porque pode também estar o abismo para o qual me sinto sempre a caminhar. o pior é que, sendo um abismo, nem por isso deixa de exercer sobre mim um fascínio e uma atracção tão tentadora que não sei se as minhas pernas se manterão firmes na beira do precipício.

temo-me mais que a tudo o resto. há sempre um ser indomável que me habita e que tem uma propensão para a bipolaridade que pode degenerar em auto destruição. e esse risco é tão constante, tão grande, que o meu instinto me surge sempre como um pacote suspeito que há que, à cautela, destruir de forma controlada para que não leve tudo pelos ares.

daí o baque mudo que, sem ser visível, interjeciona o temor na primeira linha deste meu acto in confidente.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Champagne Supernova", dos Oasis

Que olhar é esse que timidamente lhe prende a atenção, que toque é esse que lhe custa largar e que lhe eriça o sentimento de adorada insegurança? Que temperamento é esse que o encanta, que riso é esse que na sua inconveniência cai certeiro descontado em encantamento? Que é isso que o intriga, essa incompatibilidade concertante, esse secreto volver ao gustosíssimo pomo que, semeado por Éris, é com a ajuda de Eros colhido e é com o encanto e sedução da espada saboreado?

Que ansioso desconforto da dúvida é este que o assola, que dúvida é esta que o atormenta? É em jeito de fusão, confundido que está, entre esperança, medo, desconfiança, embaraço e entusiasmo, que encara este estado seu. Na confusão do seu ser, procura fundir tudo para que possa concluir, mas resiste-lhe a massa heterogénea de sentimentos.

A pergunta que tanto faz parece-lhe uma resposta em si mesma, pela sua insistência, mas já não confia em si. Mais uma vez espera que a resposta lhe surja berrando para ser atendida. Mal sabe que entretanto pode perder doces suspiros, insuspeitos, na sua discrição.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

I DON'T WANT TO
Be on the wrong side of the fall,
Right as it may seem,
Exciting as it may be,
As if the anxiousness,
Kindly put out in both our lives,
Yours being the gentlest of them both,
Ought to confirm such madness,
Urging so deeply throughout my veins,
Raging its way out,
Hearing of no such thing as sense,
Engaging nothing but the moment,
Aspiring for so little,
Relying on the impetuousness of it all.
The risk is huge, and the cautiousness nearly vain.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

És tu, descalça, que percorres o corredor de mansinho? És tu que te passeias, enquanto neste primeiro quase sono procuro esquecer o relampejar do dia? Serás tu que, nessa mansidão, procuras passar despercebida? É que não sei se te procure para te implorar que me deixes retomar a calma do meu sono, se te sussurre baixinho que te venhas aninhar aqui, longe do mundo, onde a escuridão, minha suprema companheira, me dá o abrigo do silêncio. E enquanto fecho os olhos para me perder na minha indecisa e inerte tábua de salvação, qual colchão forrado de medos que é este meu pouso, sinto-te caminhando de arco e flecha em mãos, qual divindade dos bosques, e não sei se me emboscas, se vens, ao acaso, dar conforto à tua presa. É sempre com receio que abro as janelas ao mundo e vejo que o teu irmão, no seu carro celeste, porta já a luz que vigia os teus passos. Mas é enquanto a presença da lua te encobre que és mais temerária e, neste corredor meu da presença disforme do desconserto, é quando mais confortas esta receosa vítima dos deuses.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pois que é verdade que tenho tido medo dos silêncios, de mim próprio, de me escutar e de me encontrar. pois que é verdade que tenho tido medo de mim, que não é senão um medo do futuro e do que esse desconhecido não tão distante, mas profundamente assustador mistério, que o meu caminho representa. pois que é verdade que há um ditadorzinho que quer estar sempre no controlo de tudo, até de mim próprio, e que esse pequeno terror até pára sempre nos mesmos lugares que o seu siamês prisioneiro. pois que é verdade que a cobardia me leva a procurar refúgio constante dos fantasmas do futuro, e que é nada mais que teatro este ar de auto-domínio e de satisfação. pois que é verdade que não me resigno na resignação, e que sempre há essa luta do crescer com a dor do desprezo pela acomodação que já não distingo se farsada se ancorada.


oh! pois que é verdade que por vezes me distancio tanto de mim próprio que és melhor indagadora da minha irrazoabilidade obcecadamente logilicizante que eu próprio, porque é verdade que estou perdido e que consegues sempre ser mais farol que este ser corrompido pelo cansaço, pelo engano, pelo medo e pela dúvida.


e pois que é verdade que, quando penso sobre isso, até sei o que responder quando algures na confusão de uma mente mal acomodada e mal insatisfeita sempre se segue ao está tudo bem? um silêncio duro e um ... está mesmo? não parece...

"Wonderwall", dos Oasis, e cover, por Ryan Adams








terça-feira, 26 de julho de 2011

O contentamento

Mais uma vez aqui estou. Neste espaço que, como carapaça da qual não posso sair, se tornou já quase a minha casa. Aqui, rodeado dos confortos das secretárias, computadores e telefones, permaneço neste leve e agradável serão. Serão mais uns minutos apenas, vou esprerando. Ou desesperando. Na verdade sei bem que enganar-me assim não resolve. Nas verdade sei bem que tenho sempre medo de resolver as coisas, porque só a ameaça do desconhecido, da incerteza, é suficientemente assustadora para me impedir de encontrar outra solução. Estou feliz, aqui. Aqui onde respirar fica quase esquecido por ter de vir depois do correr do temporizador que dá razão à facturação. Sim, como é bom preocupar-me com o lucro..., de outros, que sejam. Quanto não lucro eu com isto? Tudo o que foi preocupação se torna apenas miragem distante, porque assim estou protegido de tudo o que na vida das pessoas as vai atormentando mais regularmente: o contacto interpessoal. Isso é uma procupação das pessoas: aqui a peça da engrenagem tem coisas bem mais importantes com que se preocupar e vai lendo, vai escrevendo, dizendo o que de melhor há, que é opinar e defender por dinheiro e não por razão.

"Holocene", dos Bon Iver

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Desengana-te, ó punhado de pó feito gente

Ele, que se quer ser livre em tudo. Ele, que ambiciona ser senhor de si mesmo e do seu destino. Ele, que quer esquecer-se do mundo e fechar-se na sua teia galáctica para poder escancarar a janela da sua visão. Ele, que brada aos céus que existe, que está aqui, e que é em plenitude naquilo que há de mais genuíno, que é ser Ele próprio. Ele... é uma fraude, porque trabalha ingloriamente até às quinhentas que nem um escravo, abdicando de quase tudo (das suas identidade e dignidade, até) por um punhado de nada, escutando Tachaikovsky, Dvorak, Grieg, Mahler e Chopin até mais não para se iludir na sua vã existência, comendo bolachas de água e sal para enganar a barriga e não desfalecer de cansaço.

Constação do óbvio

O mundo é injusto e as pessoas são ingratas.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Da busca feita vã pesquisazinha

Por vezes uma visão, um cheiro ou um som basta, e o tempo pára: e que bom que é perceber que ainda Sou!
Na corrida citadina há sempre tanto que fazer que o tempo não se dá à vida, escapando-se por entre vãs tarefas (oh!, se vãs não são!). E eu, este eu pequenino, perdido e escondido em alguma página recôndida da googlada desta hora? E eu, este e ... u fugidio que perde a consciência de si próprio e do mundo, este mundo pequenino perdido em caracteres que se lêm nas entrinspirações? Onde? Quando? quem?...
Quem quer saber de si, e de si no mundo, tem de se largar dos afazeres do mundo e perder-se das coisas mundanas, para Se Perder no Mundo. E, se as engranagens do relógio continuam a girar e o tempo não pára, talvez valha a pena quebrá-lo e perder(-me) para (me) poder encontrar.

Dor

C’est d’or mes chères, c’est DOR!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quando o sufoco é tal que até respirar dói, quando tudo lhe é de tal forma indiferente que entra em modo automático, quando tudo se parece com as grades de um cárcere, quando o grito do Ipiranga fica preso no peito e um leve gemido pleita por dar pelo nome de berro, quando a auto comiseração é apenas mais um operário que grita e é morto a sangue frio frente ao palácio imperial de Inverno da treva da minh'ausência'de'mim'para'mim'mesmo'e'do'comgo'próprio'pr'ó'mundo'cão'q'um'laivo'de'louca'genialidade'fez'questão'de'criar, então espera por uma Luz, ou luz que seja. E não tarda, não tarda a reentrar na cegueira e a redecair no buraco de onde só tão arduamente conseguiu escalar, grão a grão, a parede disforme da merda que o circunda para procurar um Luz, ou luz, que não há. E com as mãos escorregadias, gelatinosas e martirizadas dos dejectos de um mundo que parece concentrar a sua fonte fecal por cima da sua cabeça, procura olhar o caminho que o espera para uma nova tentativa, mas não vê no escuro, não vê, não consegue! Desiste, acomoda-se, e como não é de clichés de esperança que o corpo se alimenta, toma um pouco da merda de que é o centro e come. Quando cheio por dentro do que o rodeia tenta descansar, adormece de si mais um pouco, sem esperança, ainda, e quase que deseja que o cheiro nauseabundo do mundo lhe consuma os pulmões, porque a alma, essa já lhe surge como um reflexo da única luz que o cerca: a luz negra e cegante do poço da desesperança.