«o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

Vergílio Ferreira, Aparição

.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sabendo que são teus os passos que ecoam na minha mente, tímidos, sem querer dar teu nome ao corpo que se move, mas não conseguindo esconder o som de orvalho sobre pétalas, espero que passem. Não passam. Espero que fiquem, então, comigo, os teus passos, porque eras tu quem ficaria. Não ficas. Espero que vão, porque o seu som abafa o dos meus pensamentos. Não vão. E ficas, meia tu, tomando-me, lentamente, enquanto tomo um olhar em volta e me vejo só. Não estás aqui, mas não pareces querer partir deste sítio onde ainda não quiseste chegar, que sou eu. Aninho-te, porque quero que me habites confortavelmente, mas guardo espaço para o resto de ti, que resiste em chegar.
(eu sei onde, lá onde és tudo quanto me ocupa, mas para quando?)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Tempo para escrever, quem o tem?
Espaço para sentir, onde o há?
Não para mim, sei eu bem,
Nem aqui, nem além,
Nem para já!

e

a
s
s
i
m

m
a
i
s

u
m

m
i
n
u
t
o

b
a
t
e
u

a

p
o
r
t
a

às possibilidades de eu o viver.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um ano na blogosfera

Hoje O toque de Midas faz um ano! Há um ano que aqui deixo escritas as linhas que não consigo nem quero reter. Não são muitas. Não são maravilhosas. Não são o melhor de mim. Nem sou eu. Deixo-me meu, do meu Criador e dos meus. Mas deixo-me a mim, naquilo que me é dado a partilhar na escrita, na medida em que a graça de Deus que em mim habita, feita humilde escritor ocasional, me permite criar, reflectindo os sopros de vida que a pena expira e o computador envia para um mundo virtual onde às vezes tudo é mais real que no palco do quotidiano.
Tenho de agradecer a todos os que me visitam. Não é por cada um de vós que aqui escrevo, não. É uma vontade, algo egoísta na escrita que é minha, algo dada na medida em que a partilho com os que aqui queiram ler, que se renova apenas porque sei ser lido.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Passos

Andando nos meus pés gastos,
Oiço o barulho dos meus passos.
Não há beijos, nem abraços,
Nem gritos, nem estardalhaços,
Nem choros, nem embaraços,
Nem pós reluzentes, nem ouros baços,
Nem tempos, nem espaços,
Só há:
Passos
.

Para onde caminham os meus pés,
Correndo de lés a lés,
Meu mar, suas marés,
Meu vento, soprando "Quem és?",
Minhas ideias e suas rés,
Minha terra, que contamina com chaminés
Meu céu, que Deus fez,
Um passo para cada um dos porquês,
E depois todos de uma vez,
Fundidos numa estranha grés?

Oleiro de mim, em poesia,
Amasso a grés, molhada e fria,
Aperto, espremendo a agonia,
Perco as formas da alegria,
E deixo a mente vazia.
Não há espanto ou euforia,
Não há virtude ou atonia,
Há movimento em sintonia,
E a cada passo:
Leve sinfonia.

domingo, 27 de julho de 2008

Querer partilhar-me em palavras menos ocas que essa tua tacanha mente, sabendo-te cego, descobrindo-te surdo. Antes fosses também mudo.

Só posso respeitar quem me possa respeitar.

tu:

parado

ignorante

terça-feira, 1 de julho de 2008

Mare clausum

Sentado num penedo,
Com o mar revolto a meus pés,
Deixo correr o medo,
Em mim, de lés a lés.

O sol desce apressado,
Na sua dança mortal,
Mas o meu fado,
Esse afigura-se igual.

O vento ruge,
Enquanto fico assim,
E porque o tempo urge,
O mar chora por mim.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Verde-desespero

Criou raízes no medo e não soube como fugir enquanto uma paz podre se apoderava de si. A paz que é o aceitar contestativo. A negra espera que vive até ao verificar da não concretização de vãs esperanças. No meio de tudo isto foi árvore, árvore seca cujo rigor do Inverno sombrio e do Verão escaldante não deixaram gerar frutos. Há coisas que já não teme: sabe que nunca será cortada para lenha, porque a sua madeira, carcomida pelos bichos do horror que é a certeza do amanhã imóvel, não terá proveito. Espera tombar. Entretanto os pássaros cantam, lá longe, não sabendo que a fome de uma manhã maravilhosa os consumirá. Num futuro não distante a manhã não chegará para eles, e o tronco estéril ainda estará lá.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Cansaço

O vento fustigando as memórias de quem já não espera por não que o túmulo que é a sua cama.
Correr os olhos pelas páginas, virá-las e saber-se que o céu limpo chama pelo mar, chama pelo campo, chamando sempre para longe da sala onde uma lâmpada aponta para montanhas de conhecimento que uma mente ignorante procura (re)conhecer. Aí, onde labirintos de tinta confundem olhos já habituados a estas maratonas, no repúdio da monotonia pede-se por mais (mais de diferente).
Ao deitar o corpo sobre o colchão não há como entortar o Direito e nem Faulkner consegue afastar o turbilhão de ideias (idiotices?) que por aqui crescem como ervas daninhas, sem que consiga envenená-las com uma qualquer humana banalidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Punhado de areia

Num punhado de areia deixo a minha vida. Cada grão conta uma história. Cada um pertenceu a uma rocha que com o passar dos dias se desgastou, mas que deixou parte de si. A sua dureza foi agredida pela força do bater da água e do vento, pela experiências pessoais que para trás ficam. São finos, insignificantes como cada momento que se desvanece ao ir-se. É só um punhado numa vasta praia, como os meus curtos 20 anos numa imensidão de anos vividos por inúmeras pessoas diferentes. Tem uma textura algo áspera, algo sedosa, como a vida: dura, mas maravilhosa. Escapa-se pelos dedos e dissolve-se no areal, como eu, na multidão. Mas muitos ficam agarrados à pele, como muitas experiências ficam para sempre agarradas a mim. Marcam a diferença, como eu consigo fazer em tantas alturas. Não são só grãos de areia que agora atiro ao mar, para que os engula. Sou eu o que lanço à eternidade, o que entrego às forças do destino, porque não sou mais do que parte de algo maior. E isso não me enfraquece ou desvaloriza: dignifica-me.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Nos dias que correm a vida tem gosto a café, porque é a única maneira de percorrer tudo o que há para fazer nas curtas 168 horas que uma semana tem.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Quem corre por gosto também se cansa, simplesmente tem muita vontade de continuar a corrida.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Nada de muito (ou muito de nada?)

Nada por ora,
Nada agora,
Nada me aflora.

Muito poder,
Nada querer,
Nada fazer.

Muito pedir,
Muito por vir,
Nada para rir.

Muito esperar,
Muito rezar,
Muito a faltar.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Vida aos soluços

tic-tac, tic-tac
eu
tic-tac, tic-tac
aqui
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
presença inconstante
tic-tac, tic-tac
de mim
tic-tac, tic-tac
ainda e sempre
tic-tac, tic-tac
buscando a minha constância
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
ding-dong seis vezes
tic-tac, tic-tac
digamos, é
tic-tac, tic-tac
meio-dia
tic-tac, tic-tac
mais dois minutos, vá
tic-tac, tic-tac
e mais um minuto, já
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
ahhh
tic-tac, tic-tac
!
tic-tac, tic-tac
ahhhahhh
tic-tac, tic-tac
!
tic-tac, tic-tac
[ ]
tic-tac, tic-tac
soluço
tic-tac, tic-tac
no tempo
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
é como vou vivendo:
tic-tac, tic-tac
aos soluços
tic-tac, tic-tac
porque não consigo
tic-tac, tic-tac
ter tempo para me achar
tic-tac, tic-tac
sorrir
tic-tac, tic-tac
descansar
tic-tac, tic-tac
chorar
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
de tanto me perder
tic-tac, tic-tac
o mundo perde também
tic-tac, tic-tac
o seu sentido
tic-tac, tic-tac
e parece
tic-tac, tic-tac
de pernas para o ar
tic-tac, tic-tac
.
tic-tac, tic-tac
STOP !
E o barulho ensurdecedor do tempo não cessante, o que me falta, faz-me doer os pés.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Encontros em mim

Hoje há um verdadeiro sorriso em mim, que não consigo esconder de mim próprio. Não o revelo ao Mundo porque é meu. Não, não é mais um rasgar da alma num rasgar de lábios. É uma intimidade feliz em que me deixo estar, grato por ser. Estou em constantes guerras pensativas e hoje, como sempre, elas permanecem porque penso e porque sou, em consequência. Mas hoje as guerras corporizadas em estímulos cerebrais não têm a força dilacerante do passar apressado dos dias. Há paz neste espaço imóvel e inconstante onde me encontro. É uma paz activa, que se vai desenvolvendo ao ritmo construtivo dos apelos e respostas de mim a mim próprio. Há um grito de dor que ecoa ao longe e uma mão, talvez minha, que se estende a essa voz disforme que pertence à morte dos ontens e ao chamar mortífero dos amanhãs. Escuto esse grito. Oiço um pingar vaporizado. Liquefaço o medo para que corra sem bloqueios pelas minhas veias. Condenso a gratidão de estar vivo, de ser. Entrego-me às vontades do Mundo crendo que, não um dia, mas que em cada dia, farei de mim um instrumento de mudança e construção. É uma vontade divina que apreendo e minha torno, que se corporiza pelo meu agir.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ei-los

Em passo apressado
Há um desesperado
Que se sente cansado.
Não, não é enfado,
Está martirizado, chagado.

No meio do correrio
Há uma mulher ao frio
Com ar pouco sadio.
Ao olhar, um arrepio,
Um protesto, que silencio.

Em grande pasmaceira
Há um pobre da asneira
Que, com grande bebedeira,
Sonha com o calor da lareira
Enquanto jaz no passeio, à beira.

No meio de um bar
Há um tipo dançar,
Que se sente a viajar,
Não porque vá mudar, melhorar,
Mas pelo que acabou de tomar, ou sninfar.

Em velocidade alucinante
Há um doido ao volante
Que guia, errante,
Frente ao destino, avante!,
Sem tempo, o viajante.

No meio do oratório
Há um sehor, de ar finório,
Que muito dá no oferetório,
Mas que quer, do Senhor, não falatório,
Antes respotas, em reportório.

Em escrita, como terapia,
Há um rapaz que, com energia,
Muito vai expondo, de forma algo fria,
Mas cuja mente, um pouco doentia,
Procura, loucamente, o calor da magia.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Visão Nocturna

É de noite que tenta achar os trilhos que a ofuscante luz do dia escondeu na penumbra. De noite: não aquela que vai desde o pôr ao nascer do sol, mas a que vai da cegueira da consciência da busca à clarividência da perturbação do desencontro com a calma. Tenta acalmar-se de todas as maneiras: pelos prazeres, pelas ausências de sentidos, pelas negações de sentimentos, pelas dores, pelos chamamentos surdos, pelas surdinas de discussões teoréticas inacabadas nas constatações que já foram de Sócrates ou Popper da incaceitabilidade de uma verdade pela Verdade. Verdade: tenta! Remexe-se em braçadas triunfais para respirar por entre areias movediças e enterra-se. Pára. Respira areia. Cospe. Arranha. Sossega os movimentos e os pensamentos na esperança de ar puro. Salva-se pela martirização da lembrança de uma longa inspiração de um ar que nunca sentiu. Nada é puro. Contamina as ideias que tentam fugir de si mesmas e procura encontrar uma saída. Não pode abrir os olhos: vai doer. Mas dói sempre, até o ar é venenoso. «Pensa!». Ganha forças sabe Deus onde, desconfiando ele que é na memória do ar fresco. Está quente: é o reboliço. Quieta-se. Arrefece a insónia. Desfaz-se da areia que o rodeia. Respira um pouco. Tosse. Concentra-se no som da sua tosse e doem-lhe os brônquios. E sente. E tosse. E rasga os sonhos inspirando. E inspira medos rasgando. E expira, incontrolado, sufocando a constância do veneno gasoso que é a sua presença algures. Explode-lhe uma veia, algures, e inunda-se do sangue que dilui a sua ausência. Toca-se e sabe-se desfeito. Abre os olhos para contemplar as chamas frias que lhe envolvem o corpo. Não é isso que vê. Desaparece a consciência de si e está escuro, muito escuro. As pupilas dilatam enquanto a cadência da respiração decresce. Finalmente consegue ver. Já não se mexe. Já não pensa. Não respira o tal ar puro, consumindo, inconscientemente, o único ar que conhece. Vê tanta coisa... mas nada lhe flui para o cérebro da consciência, porque as ideias se perderam. Quando acordar de nada se lembrará e um pássaro cantará as alegrias da manhã antes de um tiro o calar e fazer chegar aos ouvidos do noctívago a alvorada.
Está desperto e olha o massacre da noite da ruína. Quando começa a pensar sente a dor dos mecanismos enferrujados que roçam uns nos outros e sabe-se aí, nesse espaço que se estende até onde a vista alcança. Mas só até aí, nada mais pode ver.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Lugares da minha infância

O meu lugar de clausura de eleição: Biblioteca Municipal de Cascais - Casa da Horta. O tormento que a sorte me elegeu: Direito Comercial. Cansaço ao meio-dia, ainda não a meio dia de estudo. Decido-me por uma pausa antes de almoço, para passear e arejar a cabeça. No encontro com a fome impõe-se a pausa para o almoço. No pós-almoço digiro as pausas anteriores, neste momento de escrita. A vida, a minha vida, faz-se de pausas. Vivo mais, sou mais, nessas, nestas pausas, quer-me parecer. Os outros momentos são os derradeiros intervalos de que não escapo.
Vagueio, ainda, por lá, pela infância. O contacto com a criança que já não sou faz-se pelas memórias, mas é mais real quando algo físico interpenetra este reviver. Deixo os livros e saio a porta. Subo pelas pequenas ruas da velha vila e descubro a saudade, mais esquecida que os lugares. Não há nada de especial na maior parte dos lugares em que passo que não a saudade perdida nas pressas. São pequenas, as ruas, apertadas. Eu era pequeno, também. Hoje descubro que a vida feita nas ruas e avenidas principais não tem o mesmo encanto. A pequenez dos espaços, que traz a estranha sensação de conforto, não tem o assombro da Av. da Liberdade, mas tem a bondade do Largo da Misericórdia. Tenho mais horizontes, mais lugares onde estar, mas falta-me a protecção do aperto maternal e a segurança da brincadeira com o pai, ao Domingo à tarde. Continuam presentes, os meus pais, protectores, amando-me, mas o Manuel já não é o miúdo de outrora, e agora É, em si mesmo... sim, dá-se aos outros e recebe (d)os outros, mas no pasmo da descoberta do ser há muito de assustador. Na independência ainda estou (in)dependência e pelas minhas viagens ainda vou caindo, esfolando os joelhos, mas já não peço por auxílio. Sou forte, «sou grande!». Não é ironia, isto que digo. Sou forte porque me enfrento, e ao Mundo, sabendo-me Eu, amando-me Eu, amando ser Eu. Mas eu canso-me. E eu sei que a cura dos meus desassossegos está em mim. E eu procuro a cura dos meus desassossegos na minha alegria e na minha dor e no que o(e os) que me rodeia(m) é(e são) em mim, bem como em tudo o que sou no(e nos) que me rodeia(m).
Eu sei. Sei porque, vagueando por aí, o procuro. Porque o encontro quando paro.
Caminho. Este é o caminho do dia de hoje, não o de um dia da minha infância, mas há entrecruzamentos. Subo até à Igreja dos Navegantes, sempre fechada, desde que me lembro. Lá dentro há-de estar o Deus que muitos enclausuraram com o desuso do edifício, mas o meu está cá fora; melhor: está em todo o lado. A falta de uma oração mais prolongada leva-me até à Igreja da Freguesia. Fechada, também. Sinais dos tempos: nem a casa de Deus está imune às pilhagens. Sigo. Passando pela Casa Sommer, volto a entrar no Parque da Gandarinha (ainda cá estava, à espera que o revisitasse). Para trás fica a minha antiga creche, a "Zé Luís", como para trás estão os tempos em que por lá brincava (brincava... a doçura desta palavra, tenho-a como algo estranho, distante, como o Sol que nos surpreende com o seu calor a cada manhã). Passeio pelo Parque: ia lá quase todos os dias, com os outros meninos e meninas da creche (por onde andarão?). O lago, os patos, os pavões, o cheiro da relva, as pedras gastas pelo passar das pessoas, que as marcam mais que o tempo, o Museu Condes Castro Guimarães e o mar, com a marina, ao fundo, tudo sorvido a passo de passeio, em longos bafos, longas inspirações, longas expirações, longas expiações. Expio os males que me sucumbem com o passar das horas e passo, minutos depois, o portão, para a rua. Desço a Av. D. Carlos I, olho a Cidadela, olho a Baía, o Estoril, ao longe, o Estoril-Sol em entulho cósmico, pronto a ser uma supernova área de apartamentos de luxo. Que luxo poder aqui estar! e invade-me a felicidade desta pausa por que ansiava, não desde que comecei o estudo, mas desde que nasci (ou antes-?), como todas as pausas futuras que ainda, já, anseio. Seguindo para casa da minha tia-avó, verdadeira avó materna, passo pela Docapesca. Cheira a peixe e sinto-me grato por da Praia dos Pescadores ainda partirem, hoje, barcos para a faina. Restam-me uns poucos metros de contacto com o passado, de vivência do presente. A minha tia espera-me à porta. Um beijo. O almoço.
Agora há um intervalo que vou preencher com a enfastiante leitura do desassossego doutrinal. (Não!!) Há Direito (!), eu que o estude. Por ora, que pare a pena e a criança que vá brincar para o jardim, que há trabalho a fazer.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Contra o encerramento do D. Estefânia

Caríssimos,

Vão a http://www.petitiononline.com/hde2007 e lutem contra o encerramento do Hospital D. Estefânia. Não custa assinar a petição, nem passar a palavra.
«Não é por mim, é por elas» (pelas crianças).

Não resisto a transcrever o e-mail de uma amiga através do qual soube da petição:

«Olá,
É claro que isto está no seguimento lógico das últimas conquistas do progresso em Portugal, se os podemos matar, para quê tratá-los? Depois fazem-se novos que aí é que está o gozo, até porque crianças doentes dão muito trabalho, despesa e problemas e os adultos têm que poder fazer o que quiserem com a sua vida. Mas já sabem o que eu penso desta lógica, por isso venho juntar mais uma pedrada nesta intifada (onde privados de outras armas como a justiça ou a responsabilidade, nos vemos constantemente reduzidos às pedradas da indignação e da reclamação) contra quem quer atacar os mais pequenos e os mais fracos em vez de, como é obrigação dos mais fortes, os defender. E passo para ti a escolha de atirar ou não esta pedra.
Bjs. Luisa
PS. desculpem o tom amargo mas há coisas que me ultrapassam largamente.»

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

o meu dia

De manhã: respiro a paisagem antes de entrar no comboio.
De tarde: monto o meu cavalo de batalha. Não evito a queda. Nódoas negras.
À noite: café com amigos que há que recuperar desta semana (e das outras que ficaram para trás; e das outras que tenho pela frente; e daquelas em que não era vivo, mas que ainda me pesam como uma herança jacente a uma família desagregada; e daquelas em que já estarei morto porque o peso da minha ausência, ou a ausência desse peso, no esquecimento, têm um travo amargo).
De madrugada: Dormir e não sonhar (por favor!!, às tantas acho que já não aguento, que estou a entrar em overload).

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Agoriosamente, nesta ágora

Não se vêem mercadores, políticos ou homens de negócios nesta ágora (uma das que hoje se encontram em Cascaes: estão dispersas pela vila, como as gentes). Pergunto-me se se trata de um fenómeno de agorafobia colectivo, mas cedo percebo que é a chuva, que me molha o rosto e o banco em que me sento, que afasta as pessoas. Tento respirar o momento no meio desta chuva miúda. Custa respirar o momento nesta teia de tempos em que me procuro encontrar. Não sofro de agórofobia, mas custa-me encontrar um espaço, um segundo que seja, para mim, agora. Agora há muita coisa que tenho para fazer. Agora, agora que tento, por segundos, não ficar em segundo no confronto do ser com o fazer.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

- O que é que fizeste de especial hoje?
- Nada. Foi um dia banal... e soube-me bem.
- Mas tu costumas fugir da banalidade!
- Hoje não fugi, por isso foi extraordinário.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Anoiteceu

Anoiteceu. O céu escuro abate-se sobre mim. Dele irradia uma luz quase imperceptível. Não provoca queimaduras, cancro de pele ou dores de cabeça, como o Sol. Também não aquece. Não é a luz fria dos candeeiros de rua, aqueles que iluminam as "mulheres da vida", os "sem-abrigo" abrigados em jornais e cartão, ou de que se escondem os bandidos, os amantes secretos ou as almas desgostosas que sninfam do pó a que querem regressar, esse que os leva ao início dos tempos, que é tempo nenhum. A luz do céu nocturno é morna. Amornece. Aquece desesperos findados (ou antes interrompidos, esses quotidianos assassinos que quotidianamente chegam ao fim "por volta das 20h00"), arrefece as tensões quentes da pressão de um céu com demasiada claridade para esconderijos, arrefece os sorrisos do atendedor de balcão, da velhota que passeia o cão moribundo no jardim, da dona de casa que toma chá e vai buscar os miúdos ao colégio, do mendigo que maldiz os que lhe dão esmola ao virar costas, porque é injusto que, tendo, lhe dêem tão pouco.
Morno. Baloiço neste ir e não ir. Fico. Mas baloiço. É por isso que às vezes fico zonzo, tenho náuseas. Baloiço. Se não for a parte alguma, pelo menos vou-me mexendo, vou tomando balanço para dar o próximo salto (e não escondo o medo de cair).

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Meias-noites

É meia-noite, hora da morte do dia,
O corpo repousa, na cama meia quente,
Falta o sono, dói a colcha, meia fria,
Espero o adormecer (Morfeu vem de repente!).

«Por quem me tomas, Desatino?».
Desvario de eras, aqui, no quarto.
«Não me tomes, não é destino!»,
«Não o queres, diz antes». Parto.

Lá fora, as estrelas brilham,
A lua canta, em sonolência.
Cá dentro, os pés frios tremelicam,
As ideias desvanecem-se, feitas dormência.

Durmo, cabeça sobre o travesseiro,
Um ombro sobre o colchão, outro solto,
Carregando, ainda, o peso do mundo inteiro,
Mas agora durmo, sem sonhos (logo volto).